A Sagrada Família de Nazaré e o desígnio de Deus para o matrimônio e a família
A Festa da Sagrada Família, celebrada no domingo que se segue à Solenidade do Natal do Senhor Jesus Cristo, tem muito a dizer para nós, especialmente às famílias, no contexto em que vivemos. Em primeiro lugar, celebrar a Sagrada Família de Nazaré em nossos dias significa valorizar a instituição que Deus escolheu, em sua divina sabedoria, para se revelar ao mundo. O Verbo de Deus, Jesus Cristo, veio ao mundo, encarnando-se no ventre da Santíssima Virgem Maria (cf. Lc 1,31-32).
O Filho Deus teve São José como seu pai aqui na Terra, como aquele que ampara, protege, defende, como seu verdadeiro guardião. Na Família de Nazaré, o Menino Jesus foi gerado e formado. De modo semelhante, na família, Cristo é gerado e formado em cada um de seus membros. A família, por sua vez, tem a missão de gerar e formar o Senhor na sociedade. Nesta missão, Maria e José são “os primeiros modelos daquele belo amor, que a Igreja não cessa de implorar para a juventude, para os cônjuges e para as famílias”1.
A profecia de Irmã Lúcia a respeito do matrimônio e da família
No dia 16 de fevereiro de 2008, o Cardeal Carlo Caffarra, Arcebispo de Bolonha, na Itália, celebrou a Santa Missa junto ao túmulo de São Pio de Pietrelcina. Logo após a celebração da Eucaristia, o Prelado concedeu uma entrevista para a “Tele Radio Padre Pio”, na qual explicou que entrou em contato com a Irmã Lúcia dos Santos devido ao encargo que lhe deu o Papa João Paulo II, de planejar e estabelecer o “Instituto Pontifício para os Estudos do Matrimônio e da Família”. No início deste trabalho, o Caffarra escreveu uma carta à Irmã Lúcia através de seu Bispo, pois não pôde fazê-lo diretamente. O Arcebispo italiano não esperava uma resposta da Religiosa, pois, na carta somente lhe pediu suas orações. Inesperadamente, Caffarra recebeu uma longa carta, assinada por Lúcia, que está guardada nos arquivos do Instituto.
Na carta, Irmã Lúcia fez uma revelação surpreendente e deixou uma mensagem de esperança para nós:
A batalha final entre o Senhor e o reino de Satanás será a respeito do Matrimônio e da Família. Não temam, acrescentou, porque qualquer pessoa que atue a favor da santidade do Matrimônio e da Família sempre será combatida e enfrentada em todas as formas, porque este é o ponto decisivo. [Depois concluiu:] Entretanto, Nossa Senhora já esmagou sua cabeça2.
O Cardeal Caffarra disse que, em suas conversas com o Papa João Paulo II, a família ocupava um lugar de destaque, pois esta é o fundamento da criação e a verdade a respeito da relação entre o homem e a mulher nos desígnios de Deus. “Se o pilar fundamental é transtornado, todo o edifício fica paralisado, e agora vemos isso, porque estamos justamente neste ponto e sabemos”3, afirmou o Arcebispo. Na ocasião, confidenciou que fica comovido quando lê as melhores biografias de Padre Pio, que contam como o Santo era zeloso quanto à dignidade do Matrimônio e a santidade dos esposos, inclusive, com justificável rigor em algumas ocasiões.
Matrimônio: sinal do amor de Cristo pela Igreja
Se um dos campos de batalha entre Deus e Satanás é o matrimônio, sem dúvida devemos unir forças para que seja respeitada a indissolubilidade do sacramento do matrimônio. A Igreja Católica reconhece que “pode parecer difícil, e até impossível, ligar-se por toda a vida a um ser humano”4. Todavia, juntamente com toda a Igreja, não podemos renunciar à nossa missão de acordar a consciência das pessoas e apresentar-lhes a verdade acerca do matrimônio.
A teologia deste sacramento está intimamente ligada ao amor esponsal de Jesus Cristo pela Santa Igreja, demonstrado no sacrifício da Cruz, como explica o Apóstolo dos gentios: “Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela” (Ef 5, 25). A aliança de amor, firmada entre um homem e uma mulher pelo sacramento do matrimônio com a intenção de gerar e educar os filhos, não pode ser quebrada, pois os esposos estão unidos ao sacrifício de Cristo.
Vencer o egoísmo
Não podemos deixar-nos levar pelo egoísmo dos estilos de vida e pensamentos mundanos ou pelas legislações jurídicas, que hoje em dia admitem facilmente a separação e o divórcio de um casal. Quando o Filho de Deus falou a respeito da indissolubilidade do Matrimônio, não deixou margem para negociações: “não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19, 6). Por isso, a Igreja não pode simplesmente alterar esta ordem divina ou ensinar outra doutrina. Da mesma forma, nós católicos devemos ser fiéis e ensinar desde cedo aos nossos filhos a obedecer a Deus, para que não o traiam no futuro, rompendo os sagrados laços do matrimônio. Nesse sentido, o Papa Bento XVI disse: “o Matrimônio contraído na fé é indissolúvel. É uma palavra que não pode ser manipulada: devemos mantê-la intacta, mesmo que contradiga os estilos de vida dominantes hoje”5.
O feminismo, o aborto
Em nossos dias, o feminismo, o aborto e a ideologia de gênero estão cada vez mais presente em nossa sociedade. O feminismo é um movimento filosófico, social e político que surgiu no século XIX e defende a igualdade de direitos entre mulheres e homens. Este movimento fez com que as mulheres se tornassem mais independentes e se engajassem mais no mercado do trabalho. Tais mudanças fizeram com que elas passassem a olhar para o matrimônio e a família como algo secundário. Muitas mulheres passaram a adiar o casamento ou até optaram por não se casar.
Quando se casam, evitam ter filhos para poder competir em pé de igualdade com os homens. Quantas e quantas mulheres usam métodos contraceptivos não naturais (preservativos, anticoncepcionais, pílula do dia seguinte, DIU) ou recorrem a laqueadura, que são proibidos pela Igreja sob pena pecado grave, para evitar filhos.
Quando acontece uma gravidez, muitas passaram a recorrer à prática hedionda do aborto, que é um pecado gravíssimo e um crime canônico, punido com excomunhão automática (latae sententiae). Consequentemente, à medida que a mulher foi ganhando cada vez mais independência, o matrimônio e a família perderam gradativamente a sua força na sociedade.
Ideologia de gênero
No final do século XX, surgiu a ideologia de gênero, que é uma teoria antropológica, defendida por feministas como Shulamith Firestone e Judtih Butler, que afirma que as pessoas não nascem homem ou mulher. Em outras palavras, a biologia não determina nada, mas sim a decisão de cada um de ser o que preferir. LGBTQIA+ se tornou um acrônimo para aquelas pessoas que se dizem: lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e queer. O sinal “+” serve para reconhecer as orientações sexuais ilimitadas e identidades de gênero usadas pelos membros dessa comunidade. Com o surgimento da ideologia de gênero, surgiu também a ideia das “famílias alternativas”, com configurações ilimitadas.
O Papa São João Paulo II dizia que: “A família constitui a ‘célula’ fundamental da sociedade”6. Por isso, devido às mudanças causadas pelo feminismo, pelo aborto, pela ideologia de gênero, o matrimônio e família estão em crise e a sociedade corre o risco de entrar em um processo de autodestruição.
O campo de batalha contra o matrimônio e a família
A batalha espiritual contra o matrimônio e a família se dá principalmente no campo espiritual, mas se manifesta também em realidades muito concretas de nossas vidas. O principal campo de batalha, a imoralidade sexual, tem início: no modo de vestir, com roupas cada vez mais sensuais e mundanas; em lugares como bares, danceterias, boates e até mesmo escolas, faculdades e universidades, que deveriam ser locais de formação intelectual e moral, mas infelizmente muitas destas instituições estão deformando as mentalidades dos jovens; naquilo que vemos, nos programas de televisão, nos computadores, tabletes e smartphones, nos filmes, séries, vídeos e shorts, pelos quais facilmente se tem acesso à pornografia e à outros vícios.
Em consequência de tudo isso, começam as bebedeiras, as drogas, o sexo desregrado, a prostituição. A imoralidade sexual faz com que aconteçam a promiscuidade sexual, as doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez indesejada, o aborto, o adultério, a separação, o divórcio e tantos outros males.
Fortalecendo o matrimônio
Esta é a parte negativa, aquilo que devemos evitar, mas há também a parte positiva, que devemos fazer para fortalecer o matrimônio e a família. Primeiramente, se faz necessária uma profunda conversão, uma metanoia ou mudança de mentalidade. Nas palavras de São Paulo, “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito” (Rm 12, 2). Nosso modelo não pode ser as famílias e as pessoas mundanas, com suas modas e máximas, mas as famílias tradicionais, numerosas e virtuosas, como a de São Luís e Santa Zélia.
Este santo casal teve 9 filhos, dos quais quatro não chegaram à vida adulta. Mas, as outras cinco filhas foram muito bem formadas, dentre elas Santa Teresinha, e se tornaram religiosas. Outra família numerosa, a de Jacopo Benincasa e Lapa Piacenti, tinha 25 filhos, dos quais Santa Catarina de Sena foi uma das últimas filhas. Se o casal não fosse tão generosamente aberto à vida, não teríamos esta grande Santa mística, Virgem, Doutora da Igreja.
Pedagogia cristã na educação dos filhos
Além da abertura à vida, outra mudança fundamental é passar a priorizar a educação dos filhos na Lei de Deus e da Igreja. Por causa da mentalidade do mundo, muitos casais se preocupam em dar coisas para os filhos: celular, computador, vídeo game, carro, motocicleta, casa, apartamento. Por isso, têm poucos filhos, trabalham muito e, consequentemente, têm pouco tempo para eles e negligenciam a sua educação cristã. Além disso, eles gastam o que têm e o que não têm para pagar escola e faculdade para os filhos. Há aqueles filhos que aproveitam bem o esforço de seus pais.
Mas, muito jovens, que no mais das vezes não foram evangelizados pelos pais, são formados pela mentalidade do mundo e acabam se perdendo numa vida de pecado, vazia e sem sentido. Em contrapartida, uma vida simples e austera, mas com a presença dos pais e uma educação sólida na fé e na moral da Igreja faz toda a diferença para a formação de bons cristãos, das famílias e, consequentemente, da sociedade.
As armas certas para a batalha espiritual
Hoje, talvez muito mais do que em outros tempos, o resgate da dignidade do sacramento do matrimônio e da família seja um desafio quase que insuperável. Entretanto, não nos esqueçamos do que Irmã Lúcia nos alertou: “A batalha final entre o Senhor e o reino de Satanás será sobre o matrimônio e a família”7. Não tenhamos medo, já que Deus está conosco nesta batalha espiritual. Todavia, não nos descuidemos, pois a Religiosa também disse que, qualquer pessoa que atue a favor da santidade do matrimônio e da família, sempre será combatida e enfrentada em todas as formas, porque este é o ponto decisivo da batalha entre Deus e Satanás, a primitiva serpente, à qual Nossa Senhora já esmagou a cabeça.
Nesta batalha, Deus está conosco, mas precisamos buscá-lo sempre, todos os dias, a todo momento. Esta busca pelo Senhor se dá principalmente através dos sacramentos da Confissão e da Eucaristia. Mais do que nunca, a frequência a esses sacramentos é fundamental. Além disso, a devoção filial a Virgem Maria e a oração do Santo Rosário são armas espirituais que os esposos e as famílias devem usar constantemente no combate contra o Inimigo.
Por fim o meu Imaculado Coração triunfará
Nossa Senhora de Fátima pediu aos três Pastorinhos, Lúcia, São Francisco e Santa Jacinta Marto: “De tudo que puderdes, oferecei um sacrifício em ato de reparação, pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores”8. Assim, podemos fazer orações, penitências e sacrifícios em reparação dos pecados cometidos contra Deus e pela conversão dos pecadores. Por mais que a batalha pareça difícil e às vezes até perdida, não tenhamos medo, pois Nossa Senhora nos garantiu a vitória: “por fim o meu Imaculado Coração triunfará”9.
Sagrada Família, Jesus, Maria e José, nossa família vossa é!