Aprender a ser cristão

Aprender a ser cristão

No batismo recebemos o dom precioso da fé, juntamente com a esperança e a caridade; mas como é que tantas pessoas ficam apenas com o batismo e não se tornam cristãos na vida? Está claro que a recepção do batismo, por si só, ainda não garante a vivência cristã. Ninguém nasce cristão, mas aprende-se a ser cristão ao longo da vida.

No conceito comum, muitas vezes,  o “ser cristão” consiste no fato de ter sido batizados; ou nalguma forma de pertença à Igreja; talvez, na participação da missa dominical? Na observância de algum rito, como fazer o sinal da cruz? No fato de evitar algum tipo de vício ou pecado? Há em tudo isso algo de verdadeiro, mas o ser cristão supõe algo mais, muito mais! Por isso, se queremos progredir na fé e tornar-nos católicos maduros, precisamos considerar vários aspectos e implicações da vida cristã.

É difícil resumir num breve artigo todo o “aprendizado” da vivência cristã, do qual fazem parte o reconhecimento de Deus e o encontro com ele; a “escuta” de Deus, que se dá a conhecer e ilumina nossa existência; a nossa resposta pela profissão de fé consciente e pela prática da fé através da vida moral; o cultivo da comunhão filial com Deus através da celebração dos “mistérios da fé” e da oração; o testemunho cristão através das virtudes cristãs, sobretudo do amor fraterno e da retidão de vida; o esforço para a transmissão da fé…

É evidente que esse “aprendizado”não se refere a um mero exercício intelectual, ou a um conhecimento conceitual. Lembremos do que nos ensinou Bento XVI: a vida cristã não nasce de um raciocínio perfeito, nem de um alto ideal moral, mas do encontro com uma pessoa, com Jesus Cristo, Filho de Deus Salvador. Não se trata, pois, de preparar cristãos “diplomados”, mas de formar discípulos de Cristo; aliás, este conceito vai muito bem para dizer quem o cristão deveria ser: um discípulo de Cristo – “discípulo-missionário”, como nos recomenda o Documento de Aparecida.

Todo o esforço de formação cristã, fundamentalmente, está voltado ao conhecimento de Cristo Jesus no dom do Espírito Santo e, por meio dele, de Deus Pai; a “aprender Deus” por meio de Cristo e a aprender dele a viver a nossa relação com Deus, com o próximo e com todas as coisas que nos cercam; aprender com Cristo o sentido da vida e a orientação que lhe devemos dar. Aprendemos a ser cristãos na companhia de Cristo, ouvindo e acolhendo sua palavra, olhando para seu exemplo, seguindo seus passos, compartilhando seus sentimentos… Enfim, trata-se de uma experiência enriquecedora, movida pela fé.

Em nossa Arquidiocese, propomo-nos a trabalhar, ao longo de 2014, a “iniciação à vida cristã” como “urgência pastoral”. Como se aprende a se cristão? Como se ensina a ser cristãos? A quem compete fazer isso? Em qual fase da vida deve ser iniciado esse processo? Qual é o papel dos pais católicos? Da comunidade de fé? Dos ministros da Igreja? De cada um em particular?

Sobre tudo isso, há muito para se dizer. A ação pessoal de cada católico na missão de introduzir os irmãos no caminho da fé é importante; mas temos a consciência de que esta missão compete, por excelência, à comunidade eclesial, que acolhe, acompanha, ampara e estimula o caminho na fé dos seus membros.

Estaremos seguindo a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – “A Alegria do Evangelho”, do papa Francisco, as Diretrizes Gerais da CNBB, bem como o nosso 11° Plano de Pastoral Arquidiocesano. Que a graça de Deus nos acompanhe!

 

Card. Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo

O deserto nos ajuda a compreender nossa missão

Procura-se um deserto

É preciso que se estude, um dia, o papel do deserto na vida do ser humano ou, ao menos, na vida de certas pessoas. Para uma legião de monges, ele se tornou um ideal, quase uma obsessão. Achavam impossível viver longe dele e, por isso, deixaram tudo e partiram para um mosteiro. Ali, na oração e no trabalho, não tinham em mente fugir do mundo, mas compreendê-lo melhor e colocá-lo em sua oração. Charles de Foucauld († 1916), nascido numa família aristocrática francesa, fez do deserto, no norte da África, o seu lar. Saint-Exupéry compreendeu melhor a terra dos homens depois que seu avião teve uma pane, vendo-se obrigado a passar dias e dias no deserto do Saara, completamente isolado de tudo. 

A lembrança desse silêncio o fez, um dia, escrever: “Eu sempre amei o deserto. A gente se senta numa duna de areia. Não se vê nada. Não se escuta nada. E, no entanto, no silêncio, alguma coisa irradia”. Claro que ninguém ama o deserto por ele mesmo, pois “o que o torna belo é que ele esconde um poço em algum lugar”. Quem nunca teve um avião não sabe o que é se sentir, de repente, num deserto, como Saint-Exupéry. Mas isso não nos impede de fazer essa experiência tão importante e renovadora, que foi escolhida pelo Senhor para preparar o coração de Seu povo antes da entrada na Terra Prometida: “Guiou o seu povo no deserto: pois eterno é seu amor” (Sl 136,16).

Cada pessoa tem condições de criar um deserto em torno de si mesma e, principalmente, em seu coração. Ali, na rica solidão de seu interior, saberá dar à sua vida, às pessoas que a cercam e a ela própria o devido valor. Aliás, nunca uma pessoa poderá compreender tais realidades se não se encerrar em si mesma.

O deserto é feito de silêncio. Não de um silêncio estéril, marcado apenas pela falta de barulho, mas de um silêncio que nasce dentro da própria pessoa, feito de reflexão e paz. Um silêncio feito de amor.

É necessário, de quando em vez, fazermos uma parada na vida. Parada semelhante à daqueles que, andando pelo deserto, ficam algum tempo no oásis que encontram. Saem dali refeitos, enriquecidos e animados. Também nós sairemos enriquecidos dos momentos de deserto que criarmos. Depois disso, teremos melhores condições de enfrentar a vida de cada dia, com seus problemas, desafios e solicitações. Sairemos de nossos desertos convictos de que, nesses tempos que periodicamente nos concedemos, longe de nos isolarmos num egoísmo estéril, criaremos melhores condições para estabelecer um encontro leal, profundo e sincero com nós mesmos, com os outros e com Deus.

Na vida de Cristo há vários momentos que testemunham o quanto Ele amava o deserto: “Logo em seguida, Jesus mandou que os discípulos entrassem no barco e fossem adiante dele para o outro lado do mar, enquanto ele despediria as multidões. Depois de despedi-las, subiu à montanha, a sós, para orar. Anoiteceu, e Jesus continuava lá, sozinho” (Mt 14,22-23). Sua vida não era tranquila: as multidões O procuravam a toda a hora e em todos os lugares; pediam curas, exigiam Sua presença e Sua palavra. Ele atendia a todos com uma paciência que a outros conquistava. À noite, cansado, deixava os apóstolos descansando e retirava-se para longe. Suas noites de oração eram o Seu “deserto”.

Numa época e num mundo marcados pela agitação (ou pela dispersão), é urgente seguirmos o exemplo de nosso Mestre, procurando criar espaços de deserto. Justamente, porque as atividades nos absorvem, porque todos solicitam nossa presença e nossas responsabilidades se multiplicam; por isso precisamos de “desertos” em nossa vida, o qual nos dará maior unidade, nos tornará mais amigos de nós mesmos, e fará com que cumpramos melhor nosso papel no plano que o Pai tem para nós. Tempos de deserto não são de fugas, mas multiplicadores de nossas forças, tornando-nos mais eficazes.

Só quem já fez a experiência de deserto é capaz de valorizá-lo devidamente e de lhe dedicar um tempo que a eternidade recompensará.

Dom Murilo Krieger, scj 
Arcebispo de Salvador (BA)

Maria, modelo da Igreja servidora

Maria, modelo da Igreja servidora

    Que uma Igreja servidora dos homens seja alma de um país melhor

Maria quer nos recordar que o amor é o mais profundo e significativo sentimento, e que ele se expressa no serviço. Assim, mostra-nos, com seus exemplos, que a Igreja é e quer ser a servidora dos homens.

É fácil, falar de amor e caridade, mas muito difícil vivê-los, porque amar significa servir e servir exige renunciar a si mesmo. Se não fosse assim, estaríamos no paraíso, já que todos os homens e todos os cristãos estão de acordo em cantar as belezas do amor. Entretanto, continua havendo guerras, injustiças sociais, perseguições políticas no mundo. Isso acontece, porque amar e servir custam. O pecado original nos inclina a buscar sempre o próprio interesse, a querer dominar e estar no centro.

Mas o que é servir? Jesus mesmo explica: servir é dar sua vida pelos outros, é entregar-se aos demais. Servir é dar-se de si mesmo, entregando ao outro a nossa preocupação, nosso tempo e nosso amor.

Serve a mulher que passa, até tarde, a camisa que seu marido necessita ou que passa a noite junto ao filho enfermo. Serve quem desliga a televisão, durante a novela, para receber o vizinho e escutar seus problemas. Serve quem renuncia algumas horas de descanso para passear com seus filhos, para participar de uma reunião de trabalho.

A Igreja Servidora, A Igreja do Concílio se proclamou servidora do mundo e dos homens. Por isso, escolheu Maria como modelo desta atitude.

Nós, muitas vezes, cremos que estamos servindo a Deus, porque fazemos uma oração ou cumprimos uma promessa. Olhemos para Maria. Ela nos entrega toda sua vida para cumprir a tarefa que o Senhor lhe encomenda pelo anjo. Maria sabe, por meio do anjo, que seu Filho será o Rei do universo, e de Isabel só o seu precursor. Mas é ela quem corre até onde vivia sua prima; ela não busca pretextos por estar grávida e, assim, não poder arriscar-se numa viagem tão longa.

Quando o anjo lhe anuncia que ela será a Mãe de Deus, Maria compreende que esta vocação exige que ela se converta na primeira servidora de Deus e dos homens.

Sacrifício e serviço. Para poder construir um mundo novo, desejado de todos, é necessário muito espírito de Cristo e de Maria. Deve ser um serviço que busca, realmente, nossa entrega aos demais, e não nosso poder pessoal nem o domínio absoluto de nossa empresa ou partido.

Não queremos substituir uma classe dominante por outra, que traz novas formas de opressão. Sem este espírito, nem a Igreja nem o país serão renovados, mesmo que diminuam as diferenças sociais. Uma justiça que não vai acompanhada do amor serviçal é inumana, é uma justiça sem alma.

Peçamos a Ela que nos ajude a construir uma Igreja conforme sua imagem, uma Igreja servidora dos homens, que seja, realmente, a alma de um país melhor.

Padre Nicolás Schwizer

Padre Nicolás Schwizer

Poderá ser um momento de graça

Poderá ser um momento de graça


Dom Aloísio Roque Oppermann Arcebispo Emérito de Uberaba (MG)

Vige entre nós católicos a convicção de que não existe mudança de opinião por parte daqueles que se apegaram a convicções religiosas dissidentes. Talvez estejamos aplicando mal o que dizem as Escrituras: “É impossível que (os maus) se disponham ao arrependimento” (Hb 6,6). Imaginando que a teimosia da opinião dos separados provenha unicamente de seu desejo de auto-realização e de incapacidade de obedecer. Isso nem sempre é o caso. Pode ser má compreensão, pode até ser convicção equivocada, como mesmo descoberta de falhas verdadeiras na Igreja-tronco. O “entre vós não deve ser assim” que Jesus nos deixou, muitas vezes se converte em rispidez, ódio e separação. Se depender das nossas más tendências humanas – influenciadas pelo espírito do mal – as separações continuarão pelos séculos dos séculos. Mas felizmente, o Espírito Divino, que habita em nossos corações, com gemidos inenarráveis, nos quer levar à união, à amizade, ao perdão mútuo e à correção.

Não deve ser diferente ao encararmos os 500 anos de separação entre os cristãos do ocidente, agora em 2018. Para os menos avisados poderia haver a interpretação de “querer festejar um erro”. Isso seria como introduzir mais material explosivo. Para nossa alegria, a Federação Luterana Mundial teve um profícuo encontro com o Papa Francisco neste mês de outubro/2013. Nele transpareceu, a partir de ambos os lados, o desejo de expressar, neste quinto centenário, um pedido recíproco de perdão pelos males que nos impusemos mutuamente. Também seria a oportunidade para valorizar a saudade, que todos temos, pela plena unidade e comunhão. Como a união entre todos não é, sabidamente, fruto de nosso esforço, mas é dom do Espírito Santo, devemos praticar o chamado ecumenismo espiritual. Este consiste essencialmente na oração. Juntemo-nos à oração de nosso Mestre e Senhor : “Pai, que eles sejam um, assim como nós” (Jo 17, 11).

Proximidade do Senhor

Proximidade do Senhor

Dom Paulo Mendes Peixoto Arcebispo de Uberaba (MG)

“Deus demora, mas não falta”. É importante esperar, mas uma espera ancorada na fé e na prática da caridade. Não ser envolvido com estas realidades, com facilidade, cai-se no vazio e numa vida sem sentido. Isto faz parte das realidades mais profundas do ser humano, que busca incansavelmente sua plena realização.

No passado o povo de Israel esperava a chegada de um líder que pudesse comandar tropas, guerrear e conquistar espaços. O profeta anuncia a chegada do Emanuel, Deus conosco (Is 7, 14). Esse fato se concretiza no tempo do Natal, com o nascimento de Jesus Cristo, que veio com intenção e práticas totalmente inversas do pensamento popular do seu tempo.

Em vez de guerras fratricidas, Jesus anuncia uma proposta diferente, propondo uma “boa notícia” focada na vida e não na morte. Em vez de liderar represálias, esteve sempre do lado do povo, principalmente dos mais carentes e abandonados. Ele vem curar os corações abatidos e proporcionar dignidade para as pessoas.

A espera foi longa, mas o momento chegou. Realmente Jesus nasceu como “salvador da pátria”, acabou não foi entendido porque tinha e tem outros princípios. Ele vem como agente de salvação, seguindo os passos dos grandes líderes de libertação do passado. Podemos citar o caso de Abraão, de Moisés, de Josué e muitos outros.

Vivenciar o verdadeiro sentido do Natal significa ter proximidade com o Senhor. Aliás, Natal é todo dia e nem depende de tempo. Supõe que os corações e as mentes sejam trabalhados por uma boa catequese. Isto capacita as pessoas para se tornarem “servas do Senhor”, servindo as pessoas com grande espírito de humildade, doação e dedicação de forma fraterna e cristã.

Que o Natal seja momento forte de celebração da fé. Isto deve ser relacionado com as dinâmicas da vida. É festa que ilumina as dimensões da espiritualidade cristã, conseguindo aproximar o Senhor do cristão e das pessoas e vice versa. É como deixar Deus tocar na vida do ser humano para que ele seja elevado em sua dignidade de vida.