Em favor da vida !


A questão da defesa da vida em Portugal (II)

Entrevista a Pe. Nuno Serras Pereira, liderança do movimento em defesa da vida no país


LISBOA, segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007 (ZENIT.org).- Pe. Nuno Serras Pereira reflete sobre temas relevantes do contexto pró-vida na atualidade, especialmente em Portugal, no período que antecede o referendo sobre o aborto, que acontecerá em 11 de fevereiro.


Sacerdote franciscano, pe. Nuno Pereira é escritor e uma das lideranças mais expressivas do movimento em defesa da vida, em Portugal, como pensador e militante pró-vida.


A primeira parte desta entrevista pode-se ler em Zenit, 4 de fevereiro de 2007.


–Quais as expectativas dos movimentos em defesa da vida nesse momento histórico, que antecede o referendo de 11 de fevereiro?


–Pe. Nuno Serras Pereira: Com os olhos postos em Deus e confiados na intercessão da Santíssima Virgem Maria combatem o bom combate, na Esperança que o Não ao aborto ganhe o referendo e seja ponto de partida para novos triunfos da vida. Providencialmente o referendo foi marcado para o dia de Nossa Senhora de Lurdes, e em peregrinação a Fátima fomos pedir à Mãe, que é a mesma, que nos conduza e nos ampare.


–Como tem sido a atuação da Igreja em Portugal, nesse período, especialmente o envolvimento dos padres e bispos na causa da vida?


–Pe. Nuno Serras Pereira: Eu creio que nós, como Igreja, temos graves culpas e que devíamos fazer uma ação de penitência pública pedindo perdão a Deus por elas. É demasiado fácil acusar um passado que mal conhecemos e que não vivemos, e ignorarmos os nossos próprios pecados. Para dar um só exemplo, basta referir que em nome de ideologias “pastorais” se profana a Santíssima Eucaristia, com gravíssimo escândalo público, admitindo à Sagrada Comunhão políticos e outras figuras conhecidas, que pública e obstinadamente fazem campanha por e votam leis que admitem o aborto.


Felizmente, o Conselho Permanente da Conferência Episcopal foi muito claro ao afirmar com todas as letras que os católicos “devem votar não”. Também o Senhor Cardeal Patriarca advertiu que a doutrina da Igreja “obriga em consciência todos os católicos”. Tem-se assistido, geralmente falando, a um empenho sério, determinado e constante dos Senhores bispos e dos sacerdotes. Mas o mais impressionante ainda é assistir a uma enorme mobilização dos fiéis leigos como há muitas décadas não se via em Portugal. Como escrevi num texto recente, a propósito deles, “são inúmeros os membros da resistência de quem nos devíamos aproximar com uma reverência semelhante à de Moisés diante da sarça-ardente. Neles, não obstante as suas fragilidades de barro, torna-se verdadeiramente presente Aquele que disse: Eu Sou Aquele que Sou – para vós; operando prodígios que confundem os adversários”.


–O Papa Bento XVI, em sua encíclica “Deus Caritas Est” afirmou que “quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação apresenta todas as características duma emergência e parece impelir unicamente para a ação”. Qual o papel da oração no bom combate em favor da vida?


–Pe. Nuno Serras Pereira: Desde sempre que o número 100 da encíclica O Evangelho da vida que faz um chamamento urgente à oração (e ao jejum) em ocasiões especiais mas também no dia a dia das comunidades cristãs e das famílias, foi para nós uma referência. Embora batalhemos com toda a determinação agindo sabemos bem que tudo depende da oração. Por isso, não só rezamos como pedimos a todos os mosteiros de contemplativos que, como Moisés orando de braços erguidos no monte, nos garantam o bom sucesso do combate como Moisés o garantiu às tropas comandadas por Josué contra as de Amalech.


O Papa Bento XVI com os seus contínuos e repetidos ensinamentos sobre a vida e a família tem sido uma fonte de enorme inspiração e encorajamento para todos nós.


–A partir da sua vivência, por que a mensagem da Igreja (o valor da sã doutrina) tem encontrado, ultimamente, grandes dificuldades de chegar à base da sociedade, principalmente em relação à moral sexual? Quais os fatores que mais interferem? E que respostas a dar diante disso?


–Pe. Nuno Serras Pereira: Eu creio que o peso desmesurado da publicidade, dos meios de comunicação social e do ensino da escola estatal dificultam muitíssimo um ambiente são em que a verdade possa ser respirada e vivida. Penso, porém que há outros fatores a ter em conta. Grande parte de dignitários na Igreja mais ou menos afetados pelos efeitos devastadores da revolução sexual, em nome de uma recusa do puritanismo em que porventura alguns terão sido educados, renuncia ao anúncio da verdade e do significado da sexualidade. Uns desistiram, outros são indiferentes e outros ainda cúmplices na deformação sexual. E, no entanto, a Igreja nos dias de hoje dispõe dum meio excelente e singular para se fazer ouvir e entender. Refiro-me às catequeses sobre a Teologia do Corpo do Papa João Paulo II. Onde esta verdade tem sido anunciada tem gerado conversões e transformações prodigiosas.


Depois importa muito lutar pelo ensino livre, para que possam ser as famílias a escolher livremente, sem serem penalizadas, o tipo de educação que querem para os seus filhos. Nos dias de hoje a salvação da vida e da família joga-se em grande parte na educação livre. O Estado totalitário procura subtrair os filhos à influência dos pais.
Finalmente, os pais têm o grave dever de velar para que os seus filhos não sejam expostos de qualquer maneira ao que passa na TV, ao que se encontra nos vídeos jogos e na Internet.


–Por que o relativismo parece ter mais força? Diante dessa mentalidade, tem sido muito difícil testemunhar os valores da família, num contexto de apologia explícita a modelos que contrariam os fundamentos da própria civilização. Muitos dizem que é falta de informação. Mas só isso é insuficiente. Faltam mais coisas. A família vem sendo agrilhoada, em todos os aspectos. Por que a evangelização, nesse sentido, tem sido cada vez mais difícil, e tem encontrado maior resistência?


–Pe. Nuno Serras Pereira: Há grupos minoritários e extremamente bem organizados dotados de enorme poder econômico e político que pretendem destruir a família fundada no matrimônio entre um homem (varão) e uma mulher. A pessoa reduzida a indivíduo, sem uma teia de relações vinculantes, destituído das referências filiais/paternais e fraternas, torna-se presa fácil para qualquer manipulador. O homem sozinho torna-se indefeso e rende-se a tudo. Perde a noção da sua dignidade e abdica de toda a liberdade, prestando consentimento à sua própria escravatura. O poder de sedução desses grupos que dominam a propaganda encontra um aliado fácil na fraqueza ou fragilidade do coração humano ferido pelo pecado. O Papa Bento XVI tem indicado o caminho de redenção com toda a clareza, importa segui-lo.


Poderia nos indicar dez propostas de políticas públicas em favor da família e da vida humana?


–Pe. Nuno Serras Pereira: Como sacerdote não é a mim que me compete dar soluções técnicas concretas para os problemas existentes. Isso faz parte das competências dos leigos.


No entanto, sempre posso adiantar que a política tem de estar centrada na dignidade da pessoa humana, desde o momento da concepção até à morte natural, e na família fundada no matrimônio entre um homem e uma mulher. As políticas não poderão penalizar os casais e as famílias, quer economicamente, quer facilitando o divórcio e as uniões de fato. O Estado deve garantir a liberdade de ensino e de educação. E subsidiariamente incentivar a natalidade.


–Poderia nos indicar, do mesmo modo, algumas propostas de ações pastorais, para uma promoção realmente mais eficaz da Igreja (religiosos e leigos) em sua missão de salvaguardar a família e a dignidade da pessoa humana?


–Pe. Nuno Serras Pereira: 1 – a) Garantir que ao longo de toda a catequese esteja presente o Evangelho da Vida, em particular no que diz respeito às questões do aborto e da eutanásia; b) Não admitir ao sacramento do Crisma qualquer jovem que não professe a verdade que a Igreja anuncia sobre estas questões; c) Por maioria de razão não aceitar nenhum catequista ou outro responsável eclesial que não adira ou tenha dúvidas sobre essa verdade.


2 – Que nos CPM e outro tipo de preparações para noivos ou casais se ensine a Teologia do Corpo do Papa João Paulo II e os métodos naturais de paternidade responsável.


3 – a) Que em todas as Missas em que se reze a Oração Universal, haja, pelo menos, uma intenção pela defesa da vida; b) Que as Paróquias, Congregações e Ordens Religiosas, e Movimentos organizem (em cooperação uns com os outros ou não) ocasiões excepcionais de oração pela vida); c) Que na catequese e noutras realidades eclesiais se reze habitualmente orações como a que o Papa João Paulo II na sua encíclica nos proporcionou ou a de Nossa Senhora do Ó ou qualquer outra adequada e aprovada.


4 – Que ao longo do ano os sacerdotes façam várias homilias sobre o tema, aproveitando festas como a da Anunciação, por ex, ou leituras que venham a propósito, ou, uma vez que a homilia também pode versar sobre isso, a antífona de entrada ou a oração da coleta, etc. Podem encontrar-se muitas sugestões em www.priestsforlife.org .


5 – Que as Dioceses ou a nível nacional se organizem ações de formação para o Clero sobre o Evangelho da Vida, em particular no que diz respeito à formação das consciências. Importa ainda dar uma formação específica sobre as relações entre a lei civil e a lei moral, sobre as leis intrinsecamente injustas, etc; sobre direitos humanos e sobre a verdadeira democracia.


6 – É necessária uma particular atenção aos políticos católicos. A maioria parece ter um conceito relativista da democracia, que é obviamente incompatível com a fé e a lei natural, Depois são de uma ignorância e de uma ingenuidade extraordinárias no que diz respeito às questões morais, às questões de defesa da vida, da sexualidade, da educação, etc. Não basta emitir notas pastorais ou outro tipo de documentos nem deixá-los à mercê de conselheiros espirituais ignorantes ou dissidentes, embora com grande projeção midiática, em relação à verdade anunciada pela Igreja para o bem de todos. Creio que seria indispensável um contacto personalizado da parte dos seus Pastores e propor-lhes formação adequada ao seu nível cultural apostando em encontros ou convênios especificamente dirigidos a eles e sem recear convidar gente estrangeira qualificada para conceder essa formação.


7 – Julgo que também seria urgente que em cada Diocese os Pastores convidassem os católicos de maiores responsabilidades políticas e sociais pedindo-lhes pessoalmente que se empenhassem, desde já, em ações concretas de defesa da vida, procurando organizar-se, não só para impedir alargamentos da lei atual do aborto, mas também para abolir a lei 6/84, o DIU, a contracepção de emergência, etc.: Pede-se «aos Pastores, aos fiéis e aos homens de boa vontade, em especial se são legisladores, um renovado e concorde empenho para modificar as leis injustas que legitimam ou toleram essas violências. Não se renuncie a nenhuma tentativa de eliminar o crime legalizado … » (João Paulo II, Discurso aos participantes no encontro de estudos, pelo 5º aniversário da encíclica Evangelium Vitae (5º aniv. EV), 4) E ainda: Não «há nenhuma razão para aquele tipo de mentalidade derrotista que considera que as leis que se opõem ao direito à vida – as que legalizam o aborto, a eutanásia, a esterilização e os métodos de planejamento familiar que se opõem à vida e à dignidade do matrimônio – são inevitáveis e até quase uma necessidade social. Pelo contrário, são um gérmen de corrupção da sociedade e dos seus fundamentos.». (5º aniv. EV, 3).


8 – É preciso que se cumpra o cânon 915 do Código de Direito Canônico: Não se pode dar a Sagrada Comunhão a quem legisla, favorece, se conforma, vota ou faz campanhas por leis intrinsecamente injustas, como a que admite o aborto. É certo que qualquer Pároco tem o dever, depois de um juízo prudente, de negar a Sagrada Comunhão a quem perseverar obstinadamente nesse pecado, isto é a quem não se arrepender, retratando-se publicamente. No entanto, uma palavra autorizada dos Senhores Bispos, à semelhança do que têm feito alguns Arcebispos nos USA e em outros países, poderia ser de grande encorajamento e servir para a formação das consciências. Não se pode deixar de reconhecer que o respeito pelo culto e pela reverência devida a Deus e a Seu Filho sacramentado, o cuidado pelo bem espiritual dos próprios, a necessidade de evitar escândalo, e a preocupação pelos sinais educativos e pedagógicos para com o povo cristão e para com todos, pedem que se pare, de imediato, com este gravíssimo escândalo de admitir à Sagrada Comunhão políticos e outros com responsabilidades no aborto.


9 – As instituições e os meios de comunicação social da Igreja não devem convidar nem admitir para nelas trabalhar, palestrar ou conferenciar pessoas com responsabilidades públicas no aborto ou seus apoiadores.


10 – Os órgãos de Comunicação Social da Igreja têm de ser exemplares na fidelidade ao Evangelho da Vida. Não podem dar azo a ambigüidades. Devem conceder uma formação habitual e constante através de artigos ou de programas sobre as diversas vertentes do Evangelho da Vida. O critério de escolha para as pessoas a convidar, não deverá depender do peso midiático, dos títulos, mesmo eclesiais, mas da competência e da fidelidade à verdade que a Igreja anuncia. Basta de induzir os católicos em erro apresentando-lhes como verdade a doutrina adulterada e falsificada.


11 – Continuar o apoio às instituições de apoio às mães grávidas, às mulheres que abortaram e todos os que estiveram envolvidos nalgum aborto, às crianças em risco, aos idosos desamparados.


12 – Constituir equipas de leigos e padres que percorram o país de ponta a ponta, e não só as paróquias, dando formação sobre o Evangelho da Vida.


13 – É preciso que Fátima se transforme no centro do anúncio e da celebração do Evangelho da vida em Portugal e na Europa. Nossa Senhora, em 1917, advertiu que se não se fizesse o que Ela pedia a Rússia espalharia os seus erros pelo mundo inteiro. Ora a Rússia foi o primeiro país do mundo a legalizar o aborto. Além disso, como recorda João Paulo II, nas questões do aborto e da eutanásia dá-se uma “guerra dos poderosos contra os débeis”, e como todos sabemos a mensagem de Fátima está intrinsecamente ligada com a Paz. Também o Papa Bento XVI na sua última mensagem para a paz advertiu que “o aborto e as pesquisas sobre os embriões constituem a negação direta da atitude de acolhimento do outro que é indispensável para se estabelecerem relações de paz estáveis.”.


14 – Garantir uma formação fiel à verdade anunciada pelo Magistério da Igreja nos seminários e na Universidade Católica Portuguesa.


–No Brasil, o “Movimento Legislação e Vida” vem buscando uma atuação junto aos parlamentares para evitar a aprovação de leis antivida. As pesquisas dizem que 97% da população brasileira é contra o aborto, mas 70% dos nossos parlamentares são a favor. Isso quer dizer que os representantes do povo não estão em sintonia com o que realmente pensa a maioria da sociedade. Os lobbys anti-vida agem no Congresso, porque sabem que é mais fácil fazer a cabeça dos parlamentares do que de toda a população. Como o senhor vê essa situação? E como é essa realidade em Portugal?


–Pe. Nuno Serras Pereira: Quanto a mim, tem sido muito descuidada a formação dos católicos no respeitante à hierarquia de valores e ao comportamento na vida política. Para um discernimento verdadeiro em quem votar para nosso representante importa muito estudar a Nota Doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé “sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política” (16. 01. 2003).


[Entrevista concedida ao professor e jornalista Hermes Rodrigues Nery]


ZP07020515