A Virgem das Dores e o mistério do sofrimento

No dia 15 de setembro celebramos, depois da festa da Exaltação da Santa Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, a memória de Nossa Senhora das Dores.

Essa cativante festa litúrgica mariana começou a ser celebrada desde os primeiros tempos da Igreja para comemorar as sete principais Dores da Santíssima Virgem Maria, principalmente a sua compaixão materna aos pés da cruz de Cristo, quando com fortaleza heroica suportou aquele tormento espantoso para cooperar, na qualidade de corredentora, com a salvação da humanidade.

Desde o século IV, os Santos Padres falam com ternura da Virgem das Dores, especialmente Santo Ambrósio, São Paulino de Nola, Santo Agostinho e Santo Efrém. Na liturgia grega foram compostos, depois do século VIII, vários hinos sobre as dores de Maria. O mais impressionante de todos é a preciosíssima sequência da Missa dessa festa, intitulada Stabat Mater, provavelmente composta no século XIII, todavia seu autor é desconhecido1.

O sofrimento da Virgem Maria

Segundo São João Paulo II, os sofrimentos da Virgem Maria, numerosos e intensos, sucederam-se com tal conexão e encadeamento que demonstram a sua  inabalável. Além disso, estes sofrimentos foram uma grande contribuição para a Redenção de todos. “Na realidade, desde o colóquio misterioso que teve com o anjo, Ela entrevê na sua missão de mãe a ‘destinação’ de compartilhar, de maneira única e irrepetível, a mesma missão do seu Filho”2.

Desde o princípio, Ela teve a confirmação disso, quer nos acontecimentos que acompanharam o nascimento de Jesus em Belém (cf. Lc 2, 1-21), quer no anúncio explícito do velho Simeão, que Lhe falou de uma espada que trespassaria a sua alma (cf. Lc 2, 25-35), quer, ainda, na ansiedade, nas privações e sofrimentos da fuga apressada para o Egito, motivada pela decisão cruel de Herodes de matar o Menino divino (cf. Mt 2, 13-23).

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Depois das adversidades e vicissitudes da vida oculta e pública do seu amado Filho, por Ela certamente partilhadas com viva sensibilidade, foi no Calvário que o sofrimento da Virgem das Dores, unido ao de Jesus, atingiu o seu ponto culminante, dificilmente imaginável, na sua sublimidade, para o entendimento humano. Sofrimento misterioso, mas certamente fecundo que, de modo sobrenatural, colaborou para o desígnio de salvação da humanidade.

Nosso sofrimento como parte do mistério da salvação

A Virgem Santíssima foi testemunha da paixão não somente pela sua presença aos pés da cruz (cf. Jo 19, 25ss), mas também pela sua compaixão ou participação nos sofrimentos do seu Filho, oferecendo, assim, uma contribuição singular no mistério da Redenção. Ela realizou antecipadamente aquilo que São Paulo afirmaria “completo na minha carne aquilo que falta aos sofrimentos de Cristo” (Col 1, 24). Nossa Senhora experimentou sofrimentos indizíveis na sua alma, unindo-os aos do seu divino Filho, em reparação dos pecados de todos os homens.

Ao meditarmos sobre os sofrimentos da Santíssima Virgem, unidos aos do seu amado Filho, somos também chamados a completar na nossa carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, Cabeça da Igreja. Na cruz, Ele já ofereceu seu sacrifício, que tem valor infinito e, portanto, infinitamente suficiente para a salvação da humanidade. No entanto, o Senhor quis associar os sofrimentos da sua Mãe Santíssima e de todos os santos aos seus padecimentos na cruz, para que esses participem efetivamente do mistério da Redenção. Do mesmo modo, Ele quer que unamos os  nossos sofrimentos aos seus, para que, por meio deles, possamos também nós, pobres pecadores, participar do mistério da salvação da humanidade.

Nosso Senhor Jesus Cristo quer penetrar em nossos corações sofredores através do coração da sua Mãe Santíssima, primícia e vértice de todos os redimidos. “Como que a prolongar aquela maternidade, que por obra do Espírito Santo lhe havia dado a vida, Cristo ao morrer conferiu à sempre Virgem Maria uma nova maternidade — espiritual e universal — em relação a todos os homens, a fim de que cada um deles, na peregrinação da fé, à semelhança e junto com Maria, lhe permanecesse intimamente unido até à Cruz; e assim, todo o sofrimento, regenerado pela virtude da Cruz, de fraqueza do homem se tornasse poder de Deus”3.

 O ensinamento de Nossa Senhora de Fátima para os três Pastorinhos

Nas suas aparições em Fátima, Portugal, a Virgem Maria ensinou aos três Pastorinhos, Lúcia dos Santos, São Francisco e Santa Jacinta Marto, como unir seus sofrimentos aos de Cristo. Concretamente, lhes fez compreender que poderiam oferecer a Deus seus sofrimentos, como as incompreensões e perseguições por causa da Mensagem, aqueles sofrimentos que inevitavelmente nos visitam.

Ensinou também a oferecer voluntariamente sofrimentos, por meio de orações, penitências e sacrifícios, pela conversão e salvação dos pecadores. As três crianças faziam frequentemente jejuns, passavam horas e horas em oração, amarravam uma corda áspera à cintura, tudo isso em sacrifício de expiação pela salvação das almas.

No dia 13 de Maio de 1917, a Virgem de Fátima perguntou aos Pastorinhos: “Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?” [Lúcia, Francisco e Jacinta responderam:] “Sim, queremos”4.

E nós, queremos nos oferecer a Deus e suportar os sofrimentos que Ele nos enviar, como ato de reparação pelos pecados, com os quais é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores? Queremos fazer sacrifícios voluntários pela salvação das almas? Que Nossa Senhora das Dores nos ajude a compreender o mistério do sofrimento e que, se somos cristão, devemos tomar a nossa cruz, nos unir à paixão e morte de Cristo, para também participarmos da sua gloriosa ressurreição. E, se o sofrimentos nos visitar e formos tentados e desistir, recordemos as palavras da Virgem de Fátima para a pequena Lúcia: “Não desanimes. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus”5.

Referências:

1ROYO MARÍN, Antonio. A Virgem Maria. Anápolis: Magnificat, 2020, p. 493.
2PAPA SÃO JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Salvifici Doloris, 25.
3Idem, 26.
4PE. LUIS KONDOR. Memórias da Irmã Lúcia: A pastorinha de Nossa Senhora da Fátima. São Paulo: Loyola, 2016, p. 200.
5Idem, p. 202.

Santíssima Trindade

A Solenidade da Santíssima Trindade, Deus que é comunidade de amor. Deixemo-nos envolver por este mistério e manifestemos ao Senhor a nossa fé, a qual é alimentada por sua graça eficaz. A Solenidade que hoje celebramos não é um convite a decifrar o mistério que se esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.

Na primeira leitura(cf. Ex 34,4b-6.8-9), o Deus da comunhão e da aliança, apostado em estabelecer laços familiares com o homem, auto-apresenta-Se: Ele é clemente e compassivo, lento para a ira e rico de misericórdia. A primeira leitura revela que Deus é Pai misericordioso, paciente, não age com precipitação, sabe esperar, dá sempre um prazo esperançoso a cada um de nós para nossa conversão, é rico em bondade, nunca se irrita conosco, tolera nossas misérias, dá coragem e força para enfrentarmos os desafios do dia a dia e jamais não abandona, por pior que seja o pecado que tenhamos cometido, está sempre disposto a perdoar diante de um arrependimento sincero. Deus é sempre fiel e trata-nos como filhas e filhos muito amados.

Na segunda leitura(cf. 2Cor 13,11-13), São Paulo expressa – através da fórmula litúrgica “a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam convosco” – a realidade de um Deus que é comunhão, que é família e que pretende atrair os homens para essa dinâmica de amor. A segunda leitura continua revelando quão amoroso é nosso Deus. Quando o ser humano dispensou Deus de sua vida pensando que poderia subsistir sozinho, distanciou-se dele, fugiu de sua intimidade, rejeitou sua amizade, tornou-se indiferente a Deus e, como consequência, perdeu-se totalmente, vendo-se sem esperança de salvação. Mas Deus mostrou que sempre esteve próximo e, para resgatar o homem, saiu ao seu encontro por Jesus Cristo, seu Filho, para lhe oferecer amizade, amor, comunhão e salvação.

No Evangelho(cf. Jo 3,16-18), João convida-nos a contemplar um Deus cujo amor pelos homens é tão grande, a ponto de enviar ao mundo o seu Filho único; e Jesus, o Filho, cumprindo o plano do Pai, fez da sua vida um dom total, até à morte na cruz, a fim de oferecer aos homens a vida definitiva. Nesta fantástica história de amor (que vai até ao dom da vida do Filho único e amado), plasma-se a grandeza do coração de Deus. O Evangelho revela-nos outra verdade inimaginável: o amor de Deus é também uma pessoa, o Espírito Santo que nos restaura e santifica para podermos viver eternamente com Deus. Deus nunca fechou e jamais fechará as portas de seu coração, de sua amizade, mas respeita nossa opção; ele não obriga nenhuma de seus filhos a voltar para casa; viver eternamente com Ele ou, então, desterrados fora da nossa verdadeira e definitiva casa, depende de nós. Sabemos quem é nosso Deus, mas não basta um conhecimento teórico, não basta saber coisas sobre Ele e falar dele; isso ainda não é fé. É necessário entrar em contato com Deus, conversar com Ele pela oração; ter abertura para Deus, escutá-lo, “encharcar-se” com sua Palavra nas Sagradas Escrituras e responder a Ele amando concretamente as pessoas, começando com aquelas com as quais convivemos, porque Deus as ama e somos todos seus filhos e filhas.

Dom Eurico dos Santos Veloso 

Via Sacra: Conheça os caminhos que Jesus trilhou

Via Sacra: Conheça os caminhos que Jesus trilhou

No sexto vídeo da série especial sobre a Semana Santa produzido na Terra Santa, vamos trilhar a Via Sacra no mesmo caminho em que Jesus a viveu.

A Via Sacra segue pelas ruas da cidade velha de Jerusalém, num dos percursos mais procurados por quem deseja viver os caminhos da paixão até a morte do Senhor.

O caminho da Via Sacra divide espaço com o Mercado Árabe, e o lugar acaba se tornando um ponto de encontro entre várias religiões.

Confira a reportagem:

Reportagem de Catarina Jatobá
Imagens de Afif Amireh

Especial Semana Santa: A Flagelação de Jesus

Série Especial sobre a Semana Santa foi gravada na Terra Santa

No quinto vídeo da Série Especial sobre a Semana Santa, produzido em 2016 na Terra Santa, você vai ver os locais onde Jesus foi flagelado, recebeu injúrias dos guardas que o bateram e maltrataram de diversas formas.

Na manhã daquela sexta-feira, os maiores líderes do povo (Sumos Sacerdotes, Anciãos e Mestres da Lei) se reuniam para interrogar Jesus, e diante deles, Ele assumiu ser o Filho de Deus.

Os detalhes você acompanha neste episódio sobre a Semana Maior:

Reportagem de Catarina Jatobá
Imagens de Afif Amireh
Edição de Alaa Aqla

Sábado Santo: Um grande silêncio reina sobre a terra

Semana Santa

Sábado Santo: Um grande silêncio reina sobre a terra

No Sábado Santo, um grande silêncio reina sobre a terra porque o Rei está dormindo

Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a Terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio porque o Rei está dormindo; a Terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito Homem adormeceu e acordou os que dormiam havia séculos. Deus morreu na carne e despertou a mansão dos mortos.

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Representação iconográfica de Cristo que, descendo aos infernos, resgata, a partir de Adão e Eva, todos os justos que esperavam a redenção – Foto: fidesecclesiae

Ele vai, antes de tudo, à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos e, agora, libertos dos sofrimentos.

O Senhor entrou onde eles estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai, o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: ““O meu Senhor está no meio de nós””. E Cristo respondeu a Adão: ““E com teu espírito””. E tomando-o pela mão, disse: ““Acorda, tu que dormes, levante dentre os mortos, e Cristo te iluminará. Eu sou o teu Deus, que por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo, e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: “Saí!”; e aos que jaziam nas trevas: “Vinde para a luz!”; e aos entorpecidos: “Levantai-vos!”

Deus quer acordar todos os seus filhos que estão nas trevas da morte

Eu te ordeno: Acorda, tu que dormes, porque não te criei para permaneceres na mansão dos mortos. Levanta-te, obra de minhas mãos; eu sou a vida dos mortos. Levanta-te, obra das minhas mãos; levanta-te, ó minha imagem, tu que foste criado à minha semelhança. Levanta-te, saiamos daqui; tu em mim e eu em ti, somos uma só e indivisível pessoa.

Por ti, eu, o teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor, tomei tua condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à Terra, e fui mesmo sepultado abaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim fui entregue aos judeus e num jardim, crucificado.

Vê em meu rosto os escarros que por ti recebi; para restituir-te o sopro da vida original. Vê nas minhas faces as bofetadas que levei para restaurar, conforme à minha imagem, a tua beleza corrompida. Vê em minhas costas as marcas dos açoites que suportei por ti para retirar dos teus ombros os pesos dos pecados. Vê minhas mãos fortemente pregadas à árvore da cruz, por causa de ti, como outrora estendeste levianamente tuas mãos para a árvore do paraíso. Adormeci na cruz e por tua causa a lança penetrou no meu lado, como Eva surgiu do teu, ao adormeceres no paraíso.Meu lado curou a dor do teu lado. Meu sono vai arrancar-te do sono da morte. Minha lança deteve a lança que estava voltada contra ti.

Levanta-te, vamos daqui. O inimigo te expulsou da terra do paraíso; eu, porém, já não te coloco no paraíso, mas num trono celeste. O inimigo afastou de ti a árvore, símbolo da vida; eu, porém, que sou a vida, estou agora junto de ti. Constituí anjos que, como servos, te guardassem; ordeno agora que eles te adorem como Deus, embora não sejas Deus. Está preparado o trono dos querubins, prontos e a postos os mensageiros, constituído o leito nupcial, preparado o banquete, as mansões e os tabernáculos eternos adornados, abertos os tesouros de todos os bens e o reino dos céus preparado para ti desde toda a eternidade”.”

De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo (séc IV), de um autor grego desconhecido – Da Liturgia das Horas – II leitura do Sábado Santo