A Sexta-feira Santa é o dia em que se celebra a morte de Cristo

A espiritualidade da Sexta-feira Santa

Neste dia que os antigos chamavam de “Sexta-feira Maior”, quando celebramos a Paixão e Morte de Jesus, o silêncio, o jejum e a oração devem marcar este momento. Ao contrário do que muitos pensam, a Paixão não deve ser vivida em clima de luto, mas de profundo respeito e meditação diante da morte do Senhor que, morrendo, foi vitorioso e trouxe a salvação para todos, ressurgindo para a vida eterna.

-A-Sexta-feira-Santa-é-o-dia-em-que-se-celebra-a-morte-de-CristoFoto: Wesley Almeida/cancaonova.com

É preciso manter um “silêncio interior” aliado ao jejum e à abstinência de carne. Deve ser um dia de meditação, de contemplação do amor de Deus que nos “deu o Seu Filho único para que quem n’Ele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). É um dia em que as diversões devem ser suspensas, os prazeres, mesmo que legítimos, devem ser evitados.

Uma prática de piedade valiosa é meditar a dolorosa Paixão do Senhor, se possível diante do sacrário, na igreja, usando a narração que os quatro evangelistas fizeram.

Aprender o quanto é grande o pecado

Outra possibilidade será usar um livro para meditação como “A Paixão de Cristo segundo o cirurgião”, no qual o Dr. Pierre Barbet, francês, depois de estudar por mais de vinte anos a Paixão, narra com detalhes o sofrimento de Cristo. Tudo isso deve nos levar a amar profundamente Jesus Crucificado, que se esvaziou totalmente para nos salvar de modo tão terrível. Essa meditação também precisa nos levar à associação com a Paixão do Senhor, no sentido de tomar a decisão de “gastar a vida” pela salvação dos outros. Dar a vida pelos outros, como o Senhor deu a Sua vida por nós. “Amor só se paga com amor”, diz São João da Cruz.

No vídeo abaixo, Padre Edison explica sobre a Sexta-feira Santa. Confira:

A meditação da Paixão do Senhor deve mostrar-nos o quanto é hediondo o pecado. É contemplando o Senhor na cruz, destruído, flagelado, coroado de espinhos, abandonado, caluniado, agonizante até a morte, que entendemos quão terrível é o pecado. Não é sem razão que o Catecismo diz que pecado é “a pior realidade para o mundo, para o pecador e para a Igreja”. É por isso que Cristo veio a este mundo para ser imolado como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Só Ele poderia oferecer à Justiça Divina uma oblação de valor infinito que reparasse todos os pecados de todos os homens de todos os tempos e lugares.

Celebração das 15 horas

O ponto alto da Sexta-feira Santa é a celebração das 15 horas, horário em que Jesus foi morto. É a principal cerimônia do dia: a Paixão do Senhor. Ela consta de três partes: liturgia da Palavra, adoração da cruz e comunhão eucarística. Nas leituras, meditamos a Paixão do Senhor, narrada pelo evangelista São João (cap. 18), mas também prevista pelos profetas que anunciaram os sofrimentos do Servo de Javé. Isaías (52,13-53) coloca, diante de nossos olhos, “o Homem das dores”, “desprezado como o último dos mortais”, “ferido por causa dos nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes”. Deus morreu por nós em forma humana.

Neste dia, podemos também meditar, com profundidade, as “sete palavras de Cristo na cruz” antes de sua morte. É como um testamento d’Ele:

“Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem”
“Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso”
“Mulher, eis aí o teu filho… Eis aí a tua Mãe”
“Tenho Sede!”
“Eli, Eli, lema sabachtani? – Meus Deus, meus Deus, por que me abandonastes?”
“Tudo está consumado!”
“Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito!”.

À noite, as paróquias fazem encenações da Paixão de Jesus Cristo com o sermão da descida da cruz; em seguida, há a Procissão do Enterro, levando o esquife com a imagem do Senhor morto. O povo católico gosta dessas celebrações, porque põe o seu coração em união com a Paixão e os sofrimentos do Senhor. Tudo isso nos ajuda na espiritualidade deste dia. Não há como “pagar” ao Senhor o que Ele fez e sofreu por nós; no entanto, celebrar com devoção o Seu sofrimento e morte Lhe agrada e nos faz felizes. Associando-nos, assim, à Paixão do Senhor, colheremos os Seus frutos de salvação.

Felipe Aquino

Professor Felipe Aquino é viuvo, pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova. Página do professor: www.cleofas.com.br Twitter: @pfelipeaquino

A Sexta-feira Santa nos convida a ter ouvidos de discípulo

 Ter ouvidos de discípulo é um programa de vida

Distante do que significa ter “ouvido de mercador”, desejar e ter ouvido de discípulo é um programa de vida, que exige compromisso com ações que possam gerar respostas e atingir metas importantes, que transformem a realidade do povo. Incontestavelmente, trata-se da qualificação do papel que se exerce, nas diferentes circunstâncias, pensando particularmente as consequências e incidências sobre a vida dos outros e nos rumos da sociedade. O silêncio desta Sexta-feira Santa ecoa como insistente convite para que se conheça e se assuma a postura interior de se ter ouvidos de discípulo. A carência dessa postura favorece a multiplicação de arbitrariedades e promove o esvaziamento de diálogos decisivos na construção da sociedade.

Ouvidos de discípulo é referência, na profecia de Isaías, ao servo de Javé, que testemunha o dom recebido da escuta. Receba-o, preze-o e agradeça a Deus por este dom. Dádiva que o faz portador de uma sabedoria, capacitando-o para suportar e enfrentar adversidades sem perder o rumo. Uma escuta que, continuamente, abre os ouvidos do discípulo para estar em condições de dar respostas que fazem a diferença. Graça de Deus que está na contramão da soberba do saber e da tirania de definir rumos, ou enjaulá-los, na rigidez provocada pela inexistência do exercício da escuta.

Os ganhos qualificadores de se ter ouvido de discípulo

O horizonte do caminho da paixão e morte de Jesus projeta para a humanidade, pela celebração desta Sexta-feira Santa, os ganhos qualificadores de se ter ouvido de discípulo. A profecia que leva a dizer a verdade e ao compromisso com a justiça e o bem nasce na mente e no coração de quem tem esse ouvido. Discípulo é aquele que vai à escola. Não como professor. Menos ainda como os que acreditam saber de tudo, pois se valem dos lugares que ocupam para definir, sem a escuta necessária, os rumos da sociedade, o atendimento de suas demandas e, com essa conduta, permanecem distantes da competência para gerar o novo que possibilita sair da crise, devolver esperanças aos corações.

Quem escolhe a escuta como dinâmica para a configuração de sua maestria se abre ao que é dito por quem está acima de tudo e de todos – Deus – e consequentemente à escuta dos pobres. Capacita-se para o diálogo amplo e plural que a sociedade exige no complexo processo de definição de suas dinâmicas e busca de novas saídas. Quem escuta se torna servidor. Uma obrigação de fé e também uma nota inteligente no desempenho de papéis cidadãos. Quem não escuta manda a partir do pedestal ocupado. Quem escuta dialoga e se deixa interpelar por clamores e necessidades que formatam posturas adequadas e, assim, permitem a superação de equívocos. Essa postura é antídoto para teimosias e tudo que obscurece os caminhos para as resoluções criativas e solidárias.

Construir para os homens um novo tempo

Os cristãos, nesta Sexta-feira Santa, celebrando a Paixão e Morte de Cristo, ao acompanhar os passos de sua amorosa escuta de Deus, na sua corajosa entrega de si pela salvação do mundo, são interpelados a contemplar o Mestre, Senhor e Salvador. Ele é Servo por escutar amorosamente o seu Pai, obediente ao desígnio n’Ele realizado de salvar a humanidade, de construir para os homens um novo tempo na força do amor que o leva a morrer na cruz e a ressuscitar. A atitude exemplar de Jesus é certamente o caminho inspirador que a sociedade brasileira precisa para reencontrar rumos e redefinir saídas.

O silêncio é condição para a escuta que permite identificar os clamores dos pobres, alcançar equilíbrio nas relações, cultivar o bem no coração da humanidade e promover a beleza que recupera a sensibilidade perdida. É urgente aceitar o convite que esta Sexta-feira Santa brada em seu silêncio. Trata-se de convocação para que todos adotem o ouvido de discípulo e, assim, avanços possam se tornar realidade. Ouvir como discípulo é tarefa que ilumina a cidadania e, entre outras fundamentais conquistas, possibilita entendimentos para a efetivação da reforma política, sem enrolações interesseiras. O ouvido de discípulo permite também escutar as muitas razões para que não se efetive a diminuição da maioridade penal. Evita irracionalidades, favorece o gosto pelo diálogo entre poderes e segmentos, criando condições para o aparecimento de líderes, que estão em falta, com capacidade humanística para priorizar as urgências dos mais pobres.

Desenvolver o ouvido de discípulo é uma prática com força de remédio para curar as rudezas dos corações e das mentes que perderam o sentido nobre de pertencimento a um povo, de fidelidade à sua identidade. É a cura para corações e mentes que ao ferir o tecido cultural e humanístico fazem da vida um inferno verdadeiro, com desfigurações, violências e barbáries. Queiramos todos cultivar o ouvido de discípulo.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atual membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para as Igrejas Orientais. No Brasil, é bispo referencial para os fiéis católicos de Rito Oriental. http://www.arquidiocesebh.org.br